terça-feira, maio 03, 2016

.adeus death star

estive muito tempo dentro de um planeta de chuva ácida e sem luz ou até dentro de uma espécie de armadura-refúgio Darth Vader de onde lançava, mesmo sem quaisquer efeitos especiais, para o ar uma fúria inexplicável a todos os pequenos corpos que se aproximavam.

todos os dias pensava no que não gostava e que repetidamente fazia e no que gostava e repetidamente não fazia e sempre que tinha alguns minutos meus, era invadida por uma súbita crise existencial que me relembrava a angustia de não saber afinal porque é que tinha nascido.

eu era um bicho que não conseguia sair do curral, avessa aqueles que normalmente gostava de ler, escutar, ver, admirar... meus némesis, representavam um confronto com a minha condição, uma revolta por estar demasiado longe da possibilidade de me elevar ou de contemplar lugares sublimes, preferia ligar as Kardashians e inchar os olhos com vidas vazias disfarçadas de reais.

é tão fácil chegar a este lugar. é mesmo muito fácil.

sorte tive em conseguir escapar desta espiral e rapidamente percebi que desligar a tv, fechar os olhos aos jornais e ficar a sós com quem e o que realmente importa é a melhor forma de receber todos os raios de luz. quando se nos é apresentado um mundo editado, acreditem, há um outro bem mais genuíno dentro de cada um de nós.


quinta-feira, abril 28, 2016

.sementes (im)previstas?

de repente acordei afogueada com o ar quente dentro do Austin Montego em plena tarde de verão algures entre o Torrão e o Alvito. mais uma vez o meu pai tinha calculado que a gasolina que tinha seria suficiente para chegarmos à próxima bomba, depois da próxima bomba e talvez ainda depois da próxima bomba de gasolina. era uma espécie de poder especial que tinha e de vez em quando acertava.

quando abri os olhos vi apenas o cabelo do meu pai todo no ar enquanto gritava "EMPURRA COM MAIS FORÇA!" e a minha mãe, que tinha medo de conduzir um carro sem combustível, ficou naturalmente encarregue de empurrar o Austin Montego completamente carregado em pleno paralelo incandescente para tentar deslocá-lo (não sei para onde!) sem sucesso.

zangado com o destino, o meu pai parou a cena ao sair do carro e dizer "DESISTO" enquanto cruzou as mãos ao peito e neste preciso momento aproximou-se de nós um senhor que me pareceu ser muito velhinho que ao aperceber-se da situação convidou-nos para entrar na herdade dele. sentou-nos à sombra de uma oliveira e com um poncho de cortiça deu-nos de beber a sua água e aqui ele aproveitou para dizer ao meu pai: "há duas semanas atrás lavrei aquele campo todo e depois deitei as sementes à terra. no dia seguinte pôs-se vento e levou as sementes todas, que posso eu fazer se não voltar a deitar à terra novas sementes?"




segunda-feira, março 28, 2016

.menos é mais (lugares comuns)

fujo de vocês a tanta velocidade que para vos escapar já ganhei maratonas de palavras amargas. meio iradas.

não escuto, vejo ou contemplo a cor-de-burro-quando-foge, neutro pretensiosamente-dramático com riscos de rococó e purpurinas disfarçados de arquitetura contemporânea de marca.

as coisas pequenas engrandecidas com maquilhagem, sentimentos grunhos tipo gala reality show camuflados em tinta no papel, repelem-me.

toda a estrutura eletrónica dos meus átomos já pressente a vossa falta de energia vital, não vos visito nem que a estrada me leve aí.

gosto de pele, osso e carne de verdade e que estes sejam os meus lugares comuns.


mau feitio...

.paradoxo quântico

existir é aceitar formas múltiplas.

da interação vem a descoberta, a solo uma forma.

viajo todos os dias numa caixa pelo universo, sou-não-sou, sou, não sou.

alguém sabe o que aconteceu ao gato de Schrodinger?

terça-feira, março 08, 2016

.ritmo

pode ser percurtido, pode ser uma vibração.

sente-se. sabe-se. intangível.

uma viagem sem coração atado que faz prever uma gargalhada infinita, um pé a bater no chão sem parar e uma força a puxar as pálpebras para baixo...

...abanar o capacete!

domingo, março 06, 2016

.regressar

deixei este lugar porque deixei de o conseguir visitar.

porque não tinha fôlego.

porque não sabia existir aqui.

acreditei que o conseguia esquecer, talvez.

quem sabe até aterrar num outro ponto sem deixar quaisquer segmentos de reta.

criar uma nova ordem.

desterrada!

toda uma rota sem forma para me provar que a origem é aqui. e que saudades...!


terça-feira, maio 13, 2014

.fornecer

enquanto fluidos correm pela teoria dos vasos comunicantes, o vento leva a escuta vigilante para hemisférios opostos. em simultâneo, a rotação da Terra sobre o seu eixo inclinado faz com que os remoinhos de água girem ao contrário.

é um estado frio-quente, perene-caduco, alegre-triste que aqueles hippies dizem que é yin yang e que eu digo é + ou -, sei lá, deve ser electromagnetismo.

é a função biótica, as trocas inter ou intraespecíficas na comunidade, na cadeia trófica, na selva!

se um sintetiza alimento a partir da luz o outro instala-se nas suas raízes e recolhe alimento da seiva enquanto ajuda a captar mais nutrientes do solo, mas perante um órgão auditivo ou fala, a capacidade simbiótica dissipa-se.




ouvir ondas de luz, repousar todo os instantes no segundo 200 de uma música que ouvimos repetidamente, pairar com as nuvens do céu e desejar, a sorrir, que as antenas das telecomunicadoras estejam alinhadas amanhã...


tentar outra vez.

segunda-feira, janeiro 27, 2014

.orientação


o r i e n t a ç ã o .

sim, orientação.

astrolábio montado na proa do navio, olhar fixo nas ondas e céu coberto.

física, matemática, astronomia, engenharia e o céu coberto.





domingo, dezembro 16, 2012

.sem-rasto

bolas de sabão.
desenhadas em vários fôlegos (suaves, para não rasgar!)...

bolas de sabão
que refletem o arco-íris, ou o nosso rosto.

bolas de sabão?
mais não!

caem sempre no chão...

e não deixam rasto.

quarta-feira, abril 04, 2012

.é primavera na janela do meu bairro

é primavera no jardim do meu bairro
mesmo se o regresso das andorinhas estiver adiado por tempo incerto.

é também primavera nos seus pátios ora de cimento, ora com pomares, ora habitados por gatos preguiçosos, que a olhar o Sol, escutam a Sra. D. Ana que estende roupa, por detrás da fachada bonita que tapa a sua casa.

é pela janela do meu bairro, que vejo o reflexo de um tempo não sonhado, pelas montras fechadas com jornais e casas, outrora coloridas, sozinhas.

é primavera na janela do meu bairro, mesmo se vier o verão, porque nele permanece o sonho antigo.

"oh vizinha, tem um pézinho de salsa?"

domingo, dezembro 04, 2011

.P. deixara de existir

P., tal como eu, entrou para a Escola em 1989 e se nos primeiros anos de escolaridade ele foi passando de ano com facilidade, foi na sua transformação em adolescente que se tornou um rapaz frágil.

P., a partir dos seus 11 anos, já não tinha um corpo, mas sim vários membros que bamboleavam descoordenados. também já não tinha voz, mas sim um timbre estridente e esganiçado que soltava quando tentava falar. P. também já não tinha o olhar terno de menino, mas sim um vazio numa exoftalmia crescente. ninguém chamava P. ao P., pois a sua alcunha era a sua identidade na escola.

P. devia ter qualquer coisa de errado, pois no início de cada ano letivo, sua mãe ía falar com a diretora de turma e esta advertia-nos, em surdina, para a necessidade de estabelecer uma boa relação com P. claro que isto resultava sempre num tratamento diferenciado: os gunas identificavam-no como um ser mais frágil, logo, era carne para canhão, as meninas da comunhão solene tratavam-no como um atrasadinho-coitadinho e os restantes tentavam funcionar indiferenciadamente, acabando por concluir que P. era um atrasadinho-coitadinho perfeitamente apto para se defender dos ataques dos gunas.

o dia-a-dia de P. na escola era uma luta. ora tinha que trepar ao poste para ir buscar a mochila, ora porque tinha os seus sapatos pendurados, ora para fugir de um grupo qualquer de miúdos desocupados e sempre disponíveis para perseguir quem quer que fosse na escola.

em 1996, P. escreveu uma redação sobre o fim da Guerra da Bósnia-Herzegovina, onde destacou os efeitos do frio e da fome quer nos soldados, quer na população. P. teve má nota, porque no 7.º ano não era admissível cometer crimes à ortografia e pontuação. restava-lhe tentar perceber porque é que tinha que estudar Os Lusíadas, uma vez que na sua perspetiva, a ortografia e pontuação também não eram corretas. também não se identificava com estilo épico ou com a glorificação do povo português e mesmo assim tentava vomitar: Os Lusíadas são compostos por 10 cantos, 1102 estrofes decassílabas, num esquema rímico...

em 2002 encontrei P. rodeado de miúdos pequenos e hiper-cinéticos, que ditavam, comandavam as suas ações. tentei cumprimentá-lo, mas as vozes de comando ditaram que ele devia apalpar a miúda...

domingo, junho 12, 2011

.esperança

enquanto sentada na poltrona da buganvília, observava o azul esbatido do céu e o vento a soprar por entre a folhagem híbrida e vigorosa, enquanto o canto silencioso da sala tocava música simples e leve.

a paisagem verde e colorida, com tempo para crescer para dar provas da sua fecundidade ou apenas generosidade, despertou em mim uma inveja melancólica e amarga. nesse momento, desejei eu poder ganhar raízes, enterrar-me na terra e ser livre na síntese do meu alimento, na minha dispersão. livre por não ter que falar sem dizer o que quero. livre do meu corpo que me obriga a ser o animal que sou.




lembrei-me que um dia...

enquanto sentada na pedra de granito da serra, observei a minha pequenez. arfei durante minutos e todo o ar que expeli fez com que os meus pulmões libertassem centímetros da minha rotina artificial e, nesse dia, sequei o musgo sorrateiro que, pioneiro, ornamentava a fraga.








enquanto sentada na poltrona da buganvília, desejava que sombras invadissem o céu para o cobrir com um manto espesso. desejava que a luz se apagasse durante muito tempo e que, depois de levantado o manto, nascesse uma nova ordem universal, para que eu, pequena e encolhida, pudesse finalmente esticar os meus ramos em direção ao sol e espalhar-me na corrente do vento.

sempre quis ir ao deserto do Gobi.

segunda-feira, abril 11, 2011

.vida no estábulo

artrose intelectual, gelatina cerebral. cliché social no quadrado. ideias? não, apenas sorrisos banais com perguntas ocas, crises existenciais com questões superfluas.

mate-se a poesia, a música, o desassossego e alimente-se um parasita faminto e acessível.

não há remédio, estulta, vaidosa, pequena. não há remédio...