terça-feira, janeiro 04, 2011

.pretensiosamente uma dissertação sobre a solidão

onde começa/acaba a solidão?

não sei se costumam fazer esta pergunta a vocês próprios, mas eu costumo fazê-la muitas vezes, por isso, caí na tentação de experimentar definir o limiar, pelo menos o meu, da solidão, para balizar, orientar as minhas apreciações sobre a mesma.

na minha opinião, a solidão é per se a ausência de interacção, seja por ausência de um "receptor", por indisponibilidade do "receptor", apesar de estar alcançável pelo "solitário", ou por incapacidade de comunicação do "solitário".

depois de ter chegado a esta solução metódica e quase fria e quase tirada de um manual da faculdade, obsessivamente observei quem me rodeia e quem rodeia quem me rodeia e assim sucessivamente, e, aquilo que constato é bem mais complexo, pois todas as variáveis acima descritas como potenciais vírus causadores da solidão estão, na sua grande maioria, absolutamente interdependentes. ou seja, muitas vezes a ausência de um "receptor" pode ser produto ou da indisponibilidade do mesmo ou a consequência da incapacidade de comunicação do solitário, mas... mais dramático ainda, a ausência de um "receptor" pode ser produto da incapacidade de comunicação do "solitário" que leva à indisponibilidade dos eventuais "receptores".

é uma pescadinha de rabo na boca, um ciclo fisiológico com n variáveis, é um sem fim de razões que se atropelam e interceptam com o mesmo à vontade que as infinitas rectas que se cruzam infinitamente no espaço, etc...

é estranho, é complexo, é desconfortável de pensar. mas a mim conforta-me saber que, caso caia na espiral da solidão, poderei tentar quebrar o ciclo e, acima de tudo, é bom saber que, na grande maioria das vezes, está totalmente dependente de nós a interrupção ou a descontinuação do mesmo.

não gosto da solidão a full-time.


"No solitário, a reclusão, ainda que absoluta e até ao fim da vida, tem muitas vezes por princípio um amor desregrado da multidão e tanto mais forte do que qualquer outro sentimento, que ele, não podendo obter, quando sai, a admiração da porteira, dos transeuntes, do cocheiro ali estacionado, prefere jamais ser visto e renunciar por isso a toda e qualquer actividade que o obrigue a sair para a rua."
Marcel Proust, in 'À Sombra das Raparigas em Flor'