terça-feira, dezembro 07, 2010

.o tempo das estrelas sem fim

lá fora, a chuva coloniza o betão armado, o vento sopra forte e determinado por entre a canópia urbana e o frio dissipa-se pelas frinchas frágeis e quase invisíveis. lá fora, exibe-se o vigor do grau de inclinação da terra com o seu próprio eixo, que encurtando os dias, encharca as noites longas com mantas, cobertas e pézinhos de lã.

aquece a acendalha que dá a ignição à futura combustão robusta da lareira, aquece a chaleira no fogão, aquece a luz baixa e quente. e no ar, aromas de cravinho e açafrão a lembrar a companhia das índias e o calor da epopeia das especiarias.

lá fora, o mar obedece ao vento e liberta a espuma zangada para o areal que quase não se vê. o mar aquece a marginal e as nuvens apagam as estrelas. lá fora, mesmo com o olhar colado ao céu apagado, imagina-se constelações sem fim.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

.inventário-anacronia

lembro-me bastante bem como era, era a casa com jardim, um lago, uma buganvília e um cão. tempos em que a presunção e a água benta espargia a existência e os olhares indiscretos e cínicos furavam o pinheiro, a araucária e os canteiros de bolbos coloridos. agora resta-me a buganvília na varanda e a água benta, os olhares cínicos, esses, cegaram, o jardim e o lago, só os do parque público aqui perto. não sei muito bem como vim parar ao agora, passou tudo muito rápido e parece que já tive, pelo menos, umas 5 vidas dentro da minha, algumas das quais sem buganvília ou água benta. e agora que estou numa encruzilhada que ainda não percebi se tem ou não estradas para trilhar, cheguei aquele lugar comum do pensamento: quanto do meu passado será meu futuro? e esta batida já gasta e quase desinteressante, apaga o ser epicurista que trago há muito tempo dentro de mim. agora é ontem. ontem é agora.

espiral anacrónica! e o que eu realmente quero é viver no bairro das janelas coloridas, aquele onde os meninos brincam na rua e onde as plantas trepadeiras servem para pintar e colorir mais cada casa. uma espécie de bairro do "Conta-me como foi", sei lá, gosto daquilo! e talvez aí conseguisse romper a barreira temporal que me impus, e repor a pulsação correcta da vida. falta tão pouco...