sábado, novembro 29, 2008

.cozinha

o caril ardia enquanto os carros corriam ordeiros para a pressa das compras de natal. o néon de prata cobria os azulejos brancos e frios, enquanto o cantarolar constante de quem não tem pressa, soava fluido e quente. os estômagos roavam com a mesma tónica e o tempo, lento e tranquilo, construía cumplicidades ao som do crepitar do gás e do aroma que enchia o apetite de fome.

essa janta, não fica pronta?

quarta-feira, novembro 26, 2008

.vírus

não sei se também vos acontece, mas sabem aqueles dias em que se acorda com toda a melancolia e tristeza do mundo e, sem saber porquê... apenas se sente aquele bichinho triste e pesado, que nos carrega os olhos de água e sal de 5 em 5 segundos, nos faz fungar sistematicamente e se abate nos ombros moles e fracos, fazendo-nos curvar as costas e a cabeça e sem saber porquê...

são aqueles dias em que o futuro parece que pode ser melhor de um presente que até nem é mau, mas que acorda-me assim de vez em quando, sem saber porquê...

talvez sempre haja o vírus da melancolia e, apesar de todos os retrovirais sofisticados da mente, este, por vezes, tenha força para se manifestar.

daqui a pouco ou, no máximo amanhã, sei que os sintomas desaparecerão, mas agora não.

terça-feira, novembro 25, 2008

.geografia

enquanto nos paralelos assimétricos e pardos passa uma sombra, o musgo colore o cinzento granítico. entre os paralelos, os carreiros de formiguinhas a percorrer os seus habituais caminhos, criam texturas, volumes e dinâmicas e a geometria do meu pé, sobre esta tela urbana, cola-se à paisagem, distraindo o meu olhar durante todo o caminho.

não consegui levantar o olhar até ter pisado uma estrutura metálica, asséptica e rolante do metro, que de imediato descolou-me da cidade e fez-me sentir que até podia estar em Hong Kong, porque aquela superfície que pisava não tinha nada.

quinta-feira, novembro 20, 2008

.pó

1. incapaz de eliminar o pó dos seus móveis, sentava-se sózinha no sofá a viajar. visitava aquilo que pensava ter visitado e quando desembarcava de novo no seu sofá, o seu olhar caía para o pó que tinha limpo. com persistência voltava a limpar e, com a mesma persistência, verificava se as janelas estavam bem fechadas, mas... mal acabava de limpar o pó voltava!


2. sempre achou que o excesso de bibelots na decoração de sua casa é que faziam com que o pó por centímetro quadrado fosse tão grande. via a pobre coitada da mulher a limpar vezes consecutivas a casa, no entanto isso irritava-o, pois quando queria ser engolido pelo sofá depois de um dia de trabalho, ouvia e sentia o pano a passar pelas curvas dos móveis e pelas curvas dos bibelots de forma sistemática e obesa. pedia ajuda a Deus para que a sua boca não fosse grande e ao mesmo tempo desejava que aquele pó deixasse de cair ou então que os bibelots caíssem.

3. os bibelots caíram. o pó ficou.

quarta-feira, novembro 19, 2008

.fisiologia/filosofia da mente

Dostoiévski afirmou que quanto mais perspicaz e afiada for a nossa consciência, mais doentio e infeliz será o indivíduo que a possui.



E. Cioran (filósofo franco-húngaro) defendeu que a insónia é o resultado de uma consciência que explora, até ao limite, as suas dúvidas metafísicas.


É Hipertrofia da Consciência ou falta de seratonina?



É depois de dormir que exploro e absorvo o universo que me rodeia, é ao sonhar que o organizo, para que no dia seguinte possa voltar a absorver eficazmente todas as partículas que tento rodear. Todos os dias tento explorar toda a minha consciência, afiando-a, sendo isso parte do meu divertimento e parte do meu contentamento. À noite, durmo saciada todos os minutos que tenho e quando o despertador toca, prolongo a minha estadia entre os 2 mundos...

Repugno a ideia de que quem é insaciado e gosta de explorar as suas dúvidas metafísicas tem que ser obrigatoriamente um indivíduo infeliz e sem horas de sono. Esse cliché perigoso, atrai, inclusivé, pessoas que apenas são doentes e infelizes a um estatuto que deveras não têm. Se se cresce a exercitar o cérebro, é normal que esse exercício o conduza para os lugares a que foi treinado a ir, desafiando-o constantemente, sendo isso independente do estado emocional. Acho que todos nós conhecemos isso: estímulo.

terça-feira, novembro 18, 2008

.criativismo

Apesar da obscuridade económico-financeira que se reflecte num largo espelho social, as grandes escolas capitalistas, imperialistas e outras palavras importantes acabadas em "istas", querem esconder o reflexo ou, prefiro eu pensar, reverter a situação (o que de facto seria muito bom que acontecesse...).

Uma das soluções está no "alimentar" do bichinho criador que existe potencialmente dentro de cada um de nós, promovendo a multi-culturalidade, a integração de todos os colaboradores na geração de novas ideias e um esbatimento da hierarquia dentro das organizações.

Com toda esta horizontalidade e Sol brilhante dentro das organizações, a geração de ideias inovadoras por segundo é de facto fluida e múltipla o que, do ponto de vista do consumidor, pode criar novas ansiedades........

Ora vejamos o exemplo dos detergentes para a roupa... Actualmente, se eu quero comprar apenas UM detergente para a roupa deparo-me com o seguinte cenário: tenho detergente para roupa de côr, para roupa branca e para roupa preta. Decido-me por uma destas categorias e agora tenho que escolher qual dos aromas irei levar, pensando ao mesmo tempo que ao levar o detergente para roupa de côr, vou ficar com a roupa branca fluorescente e a roupa preta a tender para o verde azeitona. Com este complexo de culpa a martelar numa zona qualquer do cérebro, tenho agora que decidir se quero alfazema, alfazema silvestre, alfazema campestre, alfazema da cidade, alfazema do mar, alfazema da colina.... e ao percorrer todos estes aromas, forço o meu nariz a denunciar-me as diferenças e a ditar-me qual gosto mais, apesar de não notar diferença e do meu estado de oxigenação cerebral já se encontrar fortemente debilitada. No entanto, não me deixo vencer e escolho o alfazema do mar, que é para ver se ao menos o cheirinho poderá fazer-me retomar às minhas memórias de Verão...! Com o repique do sentimento de culpa para com a minha roupa branca e roupa preta, lá levo o detergente para roupa de côr (para também lavar a roupa branca e a roupa preta) com uma intoxicação e falta de oxigénio no cérebro. Juntando-se a estas variáveis, a ansiedade desta compra faz-me desejar não ter que voltar a esta decisão até um futuro bem distante.......

Porque perdi eu tempo com estes parágrafos...? Ora bem... se a criatividade nas organizações for alimentada, para que mais produtos inovadores estejam disponíveis, eu prevejo uma catástrofe pessoal em relação à tomada de decisão de compra de detergentes para a roupa, porque se inventarem mais categorias de produto, mais aromas e formas (pó, líquido) e lembrarem-se de desenhar novas embalagens, eu creio que há duas fortes possibilidades de acontecimentos: uma é eu ir à bancarrota por ter que levar toooodos os detergentes para a roupa que existem que é para não ter que lidar com esta ansiedade ou, então, voltar ao tempo do sabão macaco e lavar a roupa à mão, que por ser um pouco exigente, me poderá levar a não querer lavar roupa e a usar roupas descartáveis de hospital, o que, certamente, não iria favorecer a minha condição neste mundo, mas......

já não tinha que voltar a passar por aquilo.... ufff...!!!!!!!

sábado, novembro 08, 2008

.dúvida xpto

um braço atrapalhado noutro braço e o passado a fazer sombra no presente, queimando a vontade do à vontade.

entrelaçado o palpitar e a fuga, sempre racional, sempre emotiva, e, sempre, a música antiga de fundo, a despejar os medos, na novidade.

uma pausa com silêncio a menos no devir. e a tempo, a curiosidade a fazer ignição.

a curiosidade mata?

segunda-feira, novembro 03, 2008

.arquivo de sentimentos

quando me questionam porque não escrevo com mais frequência, fico sempre um pouco constrangida... Eu própria acho que devia escrever mais...


...mas!


tenho em mim um sistema de memórias que se vão arquivando. a essas memórias tenho associados sentimentos vários: nebulosa sentimental! Para poder exprimir aquilo que tenho em potencial, preciso de tempo para catalogar a minha panóplia emocional, para depois me entregar a nem sei bem o quê, que me faz querer vir até aqui despejar nem sei bem porquê...

não é a melancolia, a saudade, o vírus do fado, a má sorte, o mau olhado, a fuga, o medo, o silêncio, a dor, o eterno "ai"... isso é que não é...!!!

talvez seja hipo-criatividade na escrita.
ou... hiper-criatividade na ausência de...!

"Toda a Paisagem não está em parte nenhuma." Bernardo Soares in Livro do Desassossego