segunda-feira, julho 27, 2009
domingo, julho 26, 2009
.a herança
dois dias desde que a água tinha sido cortada lá em casa, por isso com os dedos sujos e pequenos esfregava a cara com a toalha seca, para tentar apagar a sujidade que o espelho reflectia. tinha que ir para a escola sabendo que quando chegasse, a Professora iria de imediato abrir as janelas, desculpando-se com o calor.
procurava o olhar da mãe que estava preso nas moedas que passeavam pelas mãos, não sabia se estava bem arranjada para ir para a Escola. desde que a fábrica fechou, a mãe começou a olhar menos para ela.
desde que a fábrica fechou a Professora da Escola começou a abrir mais vezes a janela. desde que a fábrica fechou a mãe não a olhava. desde que a fábrica fechou não entendia nada do que a Professora dizia nas aulas. desde que a fábrica fechou os amigos olhavam-na de lado. desde que a fábrica fechou respondia zangada a toda a gente. desde que fábrica fechou os seus braços e pernas não paravam de crescer. desde que a fábrica fechou pensava todos os dias que se não existisse, a mãe não teria que prender tantas vezes o olhar nas moedas que passeiam nas mãos.
- oh não tirei mais um Não Satisfaz!
derrotada, voltou a casa onde o pão a esperava para jantar. não disse à mãe do Não Satisfaz, desde que a fábrica fechou a mãe chora muito com coisas que têm "Não" no nome.
procurava o olhar da mãe que estava preso nas moedas que passeavam pelas mãos, não sabia se estava bem arranjada para ir para a Escola. desde que a fábrica fechou, a mãe começou a olhar menos para ela.
desde que a fábrica fechou a Professora da Escola começou a abrir mais vezes a janela. desde que a fábrica fechou a mãe não a olhava. desde que a fábrica fechou não entendia nada do que a Professora dizia nas aulas. desde que a fábrica fechou os amigos olhavam-na de lado. desde que a fábrica fechou respondia zangada a toda a gente. desde que fábrica fechou os seus braços e pernas não paravam de crescer. desde que a fábrica fechou pensava todos os dias que se não existisse, a mãe não teria que prender tantas vezes o olhar nas moedas que passeiam nas mãos.
- oh não tirei mais um Não Satisfaz!
derrotada, voltou a casa onde o pão a esperava para jantar. não disse à mãe do Não Satisfaz, desde que a fábrica fechou a mãe chora muito com coisas que têm "Não" no nome.
sexta-feira, julho 17, 2009
.o bruno a metro
no balanço do metro, o canto do telemóvel apontava para os vales sumptuosos da elisa.
tremidos, os lábios nervosos da fátima estavam de braço dado com o telemóvel do bruno.
elisa pensou com o seu casaco e o bruno disse para si mesmo: ah, até parece que não tenho aqui a minha fatinha!
cúmplice olhou a fátima para o casaco.
fá-la pela calada, o bruno, o que é claro para a fatinha e para a elisa.
"Tem muito estilo o grilo
(pena dar-lhe pràquilo...)
Quanto quilo de alface
(a alface é ao quilo?)
não comeu já o grilo
para ter tanto estilo!
Faz cri-cri no meu verso,
faz cri-cri no meu quilo.
Cri-cri faz no ouvido
e quase no mamilo.
Dá-se ao grilo a folhinha
mas não guarda sigilo.
Ao canário da alpista
(também telegrafista)
que não anunciasse
logo o meu grilo: alface!
Assim te conto o grilo
se não fores repeti...
se não fores repeti-lo."
O Grilo, Alexandre O'Neil
tremidos, os lábios nervosos da fátima estavam de braço dado com o telemóvel do bruno.
elisa pensou com o seu casaco e o bruno disse para si mesmo: ah, até parece que não tenho aqui a minha fatinha!
cúmplice olhou a fátima para o casaco.
fá-la pela calada, o bruno, o que é claro para a fatinha e para a elisa.
"Tem muito estilo o grilo
(pena dar-lhe pràquilo...)
Quanto quilo de alface
(a alface é ao quilo?)
não comeu já o grilo
para ter tanto estilo!
Faz cri-cri no meu verso,
faz cri-cri no meu quilo.
Cri-cri faz no ouvido
e quase no mamilo.
Dá-se ao grilo a folhinha
mas não guarda sigilo.
Ao canário da alpista
(também telegrafista)
que não anunciasse
logo o meu grilo: alface!
Assim te conto o grilo
se não fores repeti...
se não fores repeti-lo."
O Grilo, Alexandre O'Neil
domingo, julho 12, 2009
.as férias na vila branca dos jacarandás
na pequena vila branca dos jacarandás, as andorinhas voavam rasantes e eléctricas pelo calor seco. os homens da vila, à porta das suas casas pequenas e brancas, esperavam, pesados, o frio da noite na cadeira de palhinha pequena e tosca, plateia da cinzenta calçada e das oliveiras centenárias retorcidas. os miúdos, sujos do dia quente, descansavam no sopé das cadeiras pequenas e toscas, desenhando as rotas das andorinhas efervescentes, enquanto esperavam que as pedras da calçada arrefecessem o cansaço. no ar, o aroma do azeite quente, alho e coentros preenchia a ausência das mulheres na rua, que presas nas casas brancas, cozinhavam o cair da noite.
quando finalmente o sol caía, as ruas ficavam desertas, preparando-se para o regresso dos homens, dos miúdos e, agora também, das mulheres da pequena vila branca dos jacarandás, ao som do tilintar da loiça florida com o metal dos talheres.
recolhidas as andorinhas, vinha o merecido descanso do calor para a rua e com ele as estórias, as discussões, as brincadeiras, transformando o branco da vila em côr e o silêncio quente em fresco palrear. a esta hora, as cadeiras de palhinha pequenas e toscas multiplicavam-se com homens e mulheres da vila e, a calçada cinzenta, tornava-se palco da correria dos miúdos. camufladas, as oliveiras centenárias retorcidas fundiam-se no negro da noite, libertando a vila do seu passado.
lentamente, o branco das casas e o cinzento da calçada voltava a ganhar definição. chegava a hora do sono que preparava a vila para mais um dia a trabalhar a terra fina, outrora fértil, aquecida pelo Sol demasiado quente.
quando finalmente o sol caía, as ruas ficavam desertas, preparando-se para o regresso dos homens, dos miúdos e, agora também, das mulheres da pequena vila branca dos jacarandás, ao som do tilintar da loiça florida com o metal dos talheres.
recolhidas as andorinhas, vinha o merecido descanso do calor para a rua e com ele as estórias, as discussões, as brincadeiras, transformando o branco da vila em côr e o silêncio quente em fresco palrear. a esta hora, as cadeiras de palhinha pequenas e toscas multiplicavam-se com homens e mulheres da vila e, a calçada cinzenta, tornava-se palco da correria dos miúdos. camufladas, as oliveiras centenárias retorcidas fundiam-se no negro da noite, libertando a vila do seu passado.
lentamente, o branco das casas e o cinzento da calçada voltava a ganhar definição. chegava a hora do sono que preparava a vila para mais um dia a trabalhar a terra fina, outrora fértil, aquecida pelo Sol demasiado quente.
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