domingo, julho 26, 2009

.a herança

dois dias desde que a água tinha sido cortada lá em casa, por isso com os dedos sujos e pequenos esfregava a cara com a toalha seca, para tentar apagar a sujidade que o espelho reflectia. tinha que ir para a escola sabendo que quando chegasse, a Professora iria de imediato abrir as janelas, desculpando-se com o calor.

procurava o olhar da mãe que estava preso nas moedas que passeavam pelas mãos, não sabia se estava bem arranjada para ir para a Escola. desde que a fábrica fechou, a mãe começou a olhar menos para ela.



desde que a fábrica fechou a Professora da Escola começou a abrir mais vezes a janela. desde que a fábrica fechou a mãe não a olhava. desde que a fábrica fechou não entendia nada do que a Professora dizia nas aulas. desde que a fábrica fechou os amigos olhavam-na de lado. desde que a fábrica fechou respondia zangada a toda a gente. desde que fábrica fechou os seus braços e pernas não paravam de crescer. desde que a fábrica fechou pensava todos os dias que se não existisse, a mãe não teria que prender tantas vezes o olhar nas moedas que passeiam nas mãos.


- oh não tirei mais um Não Satisfaz!

derrotada, voltou a casa onde o pão a esperava para jantar. não disse à mãe do Não Satisfaz, desde que a fábrica fechou a mãe chora muito com coisas que têm "Não" no nome.

1 comentário:

Cláudio Vieira Alves disse...

Desde que a fábrica fechou que, com ela, os portões da vida enferrujada se fecharam.