terça-feira, maio 19, 2009

.estória na cidade: andante

Sei que não sou a única espectadora, o palco é de muita gente. Gente que se senta no lugar da janela e observa as estórias que viajam durante escassos minutos, mas que nos acompanham até casa e que preenchem, por tempo indeterminado, a imaginação.

Entrou no metro de modo conspícuo, com a roupa cinzenta, a remeter para um estado de alma um pouco enlutado, com o puxo cinzento e as rugas de quem já passou muitas horas ao sol a trabalhar. Ao lado dela, entrou, também, um sujeito quase transparente, encolhido sobre si mesmo, que tapado pelos seus óculos, provavelmente já a precisarem de uma substituição vai há mais de 15 anos, tornou-se disponível para ouvir o que a redonda e curvilínea matriarca tinha para dizer bem alto sobre o passe do metro para reformados. Bem alto, aquela mulher que era de um outro tempo, fazia publicidade ao metro, dizendo que agora ía para todo o lado num instantinho: "Eu agora vou para matosinhos, boavista, s. joão... só não dá para ir pá maia, para gaia... de resto, vou para todo o lado!!! É uma maravilha!!" 

O reformado, transparente e silencioso, acenava com a cabeça, concordando com todas as vantagens que a redonda mulher enumerava bem alto, sem acrescentar nada às suas palavras... 

O metro tinha agora chegado a uma das estações mais cosmopolitas da cidade e, do metro moderno, vejo a sair a mulher anacrónica, com a camisola cinzenta, a saia cinzenta, o avental cinzento, o puxo cinzento, o andar gingão de quem já foi mãe de sete e, a condizer com o metro, nos pés calçava uns crocs amarelos. 

Surpreendida com a conjugação de todos os factores, esbocei um sorriso para mim própria, observando a ironia de todo o episódio. Ao mesmo tempo, entrou uma mulher, geométrica, rural, com um fato de fibra, mal assentado ao corpo, com cabelo preto vivo e penteado de senhora de idade da aldeia, que sem uma ruga ou expressão, tinha uns óculos sem jeito. Senti o desconforto dela enquanto ser feminino, desviei o olhar, para ela não se sentir observada, mas não resisti em decifrar as letras que estavam na pastinha que ela religiosamente carregava: Técnicos Oficiais de Contas. Era contabilista.

Próxima paragem... Carolina Michaelis. Saí.

3 comentários:

Miguel Carneiro disse...

Brutal! Acho incrível como estas personagens migraram e se fundiram com as que outrora só nos autocarros STCP se viam...

Anónimo disse...

Disseram-me para vir cá ver, e gostei do que li :)


Catarina

Mustrengo disse...

é incrivel o quanto tu andas de metro!!! és um pica à paisana??? andas para ai atras do pessoal que não está ara percebe a confusão das zonas??? Shame on you!!!