Quando éramos pequenos, eu e o meu primo, vivíamos na mesma casa, embora em andares independentes e os nossos jardins contíguos, estavam separados por um muro que o meu primo logo aprendeu a trepar e, por sua vez, ensinou-me a trepá-lo também. No entanto vivia em nós a obsessão de criar uma passagem (de preferência secreta e alheia aos adultos) entre os nossos jardins, para que pudéssemos aumentar a nossa mobilidade, e porque isso expressava a nossa vontade de derrubar obstáculos entre nós. Vai daí, cada um no seu lado do muro, pegava no seu martelo altamente especializado (provavelmente uma pedra da rua) e começávamos a nossa acção demolidora, naquele ponto, previamente estudado e escolhido, do muro! Debaixo de um calor abafador lá estaria eu, com o meu chapéu de palha com fitinha côr-de-rosa e o meu primo, provavelmente sem chapéu porque isso é coisa de menina, a embater no muro com uma força hercúlea e, à escala temporal de infância, só passados 60 minutos ou mais (o que em escala temporal real deverá corresponder a 10 minutos), é que começaríamos a dar sinais de cansaço. Chegados a esse patamar, eu seria a primeira a pôr de lado o meu martelo ultra-especializado e feito à medida para o efeito e a abrir o goela: Oh Pedroooooo! e lá iria eu trepar o muro e o meu primo de trombas diria: Fogo,oh Inês, assim nunca mais temos a nossa passagem!!! És sempre a mesma coisa!!!
Passados 3 minutos já estaríamos com a mangueira ligada a refrescar-nos do calor e a fazer autênticas batalhas debaixo do oceano turbulento que iriam acabar comigo a fazer fita, porque não tinha a força do meu primo nem a electricidade de rapaz como ele, para este tipo de brincadeiras....
Num destes dias de brincadeira, chega meu pai a casa com um presente: WALKIE-TALKIES!!!!
Eu e o meu primo esbugalhámos os olhos em uníssono, montámos o estaminé e vimos que estes aparelhos altamente sofisticados davam para: enviar mensagens em código morse, ouvir conversas de outras pessoas que comunicavam por frequência rádio, que imediatamente se tornaram suspeitos de crimes e, mais importante de tudo, falarmos os dois.
Traçámos o plano de imediato:
1. temos que descobrir o que os suspeitos de ladroagem estavam a planear.
2. agora é que ninguém nos põe a dormir. enganamos os nossos pais e vamos para a cama, deixamos passar 10 minutos para que pensem que já adormecemos e depois ficamos a noite a falar!! INFALÍVEL!!
3. nome de código: rádio girafa/rádio elefante!!
Ansiosos para que chegasse a hora de ir dormir, lá foi cada um para casa jantar.
21h00...: Inês, prepara-te para ir dormir!
Nem fiz fita, o que deve ter desorientado os meus pais, fui logo lavar dentes, vestir pijama, pôr o walkie-talkie na mesinha de cabeceira, olhar para o despertador cor-de-rosa da minnie, para contar os 10 minutos, deitei-me na cama... E de repente ouço: PIIIII, rrrrrssshhhhhh, crack, crack, rrrrrshhhhhh, PIIIIIIII RÁDIO ELEFANTE, ROGER!! Ao ouvir aquela panóplia sonora... espero eu que nenhum adulto tenha ouvido... e respondi: RÁDIO GIRAFA, OVER!!!
De repente ouço do outro lado a voz da minha tia...:ÁLVARO PEDROOO, QUE VEM A SER ISTOOOO??
Fomos descobertos...
Passados segundos, a minha porta abre-se: INÊS, MAS QUE É ISTO?????
Os dois em uníssono: é a rádio girafa/elefante...!
Tia: Despede-te da tua prima, então e toca a dormir.
Meu Pai: Despede-te do teu primo, então e toca a dormir.
Tia e Meu Pai: DÁ CÁ O WALKIE TALKIE! amanhã dou-te...
No dia seguinte fizémos daqueles telefones com embalagem de iogurte e fio norte. Assim, nunca fomos caços!
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